terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Peça teatral "Hairspray", de Thião Mesquita - Apresentação de 02/12/2014

Nunca é fácil começar uma resenha sobre uma peça de teatro, ainda mais quando esta tem participação de pessoas que tenho profunda admiração. Pois bem, falar sobre a adaptação do sucesso da Broadway, "Hairspray", com direção cênica de Thião Mesquita (meu professor de Artes Cênicas no colégio onde estudei, Leonardo da Vinci) e direção musical de Elaine Chase Lira, não será das tarefas mais fáceis, mas serei o mais imparcial quanto possível.


Primeiro, é preciso explicar a sinopse da peça: Tracy Turnblad, uma garota sonhadora, vive na puritana cidade de Baltimore, no nascer dos anos 1960, e sonha em se tornar uma das talentosas garotas do Corny Collins Show, o programa de televisão mais assistido pelos jovens da cidade. Porém, Tracy é gordinha, e Velma von Tuslle, produtora do programa, e Amber, filha desta, são terminantemente contra à aceitação de Tracy, por preconceito com seu peso e com suas opiniões inovadoras sobre a igualdade racial. No programa de Collins, uma vez ao mês, há um dia especial dedicado ao rhythm and blues, gênero musical famoso entre os negros - é o Dia do Negro, apresentado por Motormouth Maybelle, dona da loja de discos do subúrbio de Baltimore. O galã do programa, Link Larkin, é um rostinho bonito, mas se mostra interessado em conhecer melhor Tracy, contrariando Amber, que namora com ele. Aos poucos, Tracy começa a revolucionar o programa de Corny Collins, e acaba desagradando a emissora televisa, que manda prendê-la, mas, com a ajuda de Link, ela escapa e consegue assumir seu lugar como a garota Hairspray.


Apesar de muito admirar o trabalho de Thião Mesquita como diretor, não fiquei satisfeito com o resultado da montagem de "Hairspray". Entretanto há fatores consideráveis para tal: o roteiro sofreu abruptos cortes de cenas importantes - se não para contar a história de Tracy, para entender o nexo das falas dos personagens - prejudicando, assim, a compreensão de quem, porventura, não tenha assistido ao filme homônimo, com Zac Efron e Nikki Blonsky como protagonistas, ou ao musical da Broadway propriamente dito, que ficou em cartaz na famosa rua nova-iorquina de 2002 a 2009. Além disso, falhas técnicas também foram prejudiciais para a compreensão de algumas cenas - logo na primeira música, "Good Morning Baltimore", o microfone de Tracy (interpretada com garra por Pâmela Germano) deu pane total e a atriz/cantora teve que apresentar a música quase aos berros, para tentar se sobrepor ao instrumental ao vivo. Aliás, uma reclamação sobre a posição da banda: dado que o Teatro UNIP, onde foi realizado o espetáculo, não tem fosso para orquestra, a banda se instalou na lateral da parte de baixo do palco, bloqueando a saída de emergência e a passagem de qualquer cadeirante que quisesse prestigiar o espetáculo - o que foi uma profunda falta de senso de cidadania, tão propalado pelo colégio que realiza este evento anualmente. E, por fim, o outro ponto a ser criticado é o fato de alguns números musicais terem ficado mal ensaiados - alguns atores estavam perdidos na coreografia de "The Nicest Kids in Town" e de "Run and Tell That", e ficou parecendo que o único número realmente ensaiado à exaustão foi "You Can't Stop The Beat", que fecha o espetáculo.


De fato, há muito a melhorar na condução do espetáculo, mas foi agradabilíssimo poder assistir atores/cantores/dançarinos tão talentosos em cena. Pâmela Germano, com sua Tracy, cantou muito bem, apesar da fraca dramaticidade inerente à personagem original; Gabriel Freire, que interpretou Edna Turnblad, foi hilário e com um timing sensacional para a comédia, além de ter uma voz surpreendentemente vigorosa para cantar, contrastando perfeitamente com a aparência redonda de Edna; Velma von Tuslle, interpretada por Amanda Morais, não tinha potência vocal para o solo de "The Legend of Miss Baltimore Crabs", mas o fato de ser uma personagem vilanesca detestável torna tal fator menos importante; Amber von Tuslle (interpretada por Ana Clara de Castro ou Emily Sousa - não sei qual delas se apresentou na primeira sessão do dia) tem as mesmas características de Velma, mas o fato de ela pouco cantar nesta adaptação a torna mais um bibelô do que uma antagonista; Link, interpretado por Gabriel Grande, é um rosto bonito, de voz mediana, mas de grande dramaticidade - tem futuro nas Artes Cênicas, se pensa ele em enveredar para este caminho; Carol Wanzeller, que interpreta Motormouth Maybelle, é um espetáculo à parte - com uma presença de palco impactante, tem uma voz poderosa e saiu ovacionada do palco nos dois solos que cantou, "Big, Blonde and Beautiful" e "I Know Where I've Been"; a dupla Julia Bonfim e Gabriel Bonfim, que interpretam Pequena Inês e Seaweed, respectivamente, foram sensacionais e (quase) impecáveis - enquanto a voz de Gabriel é belíssima e cheia de suingue à la James Brown, a de Julia deixa a desejar, mas sua dança e sua atuação foram irretocáveis; e, por último, Mickey, um dos dançarinos do Corny Collins Show, interpretado por João Marcos Correia, grande amigo da minha irmã, Eduarda, que se provou um ótimo bailarino ao apresentar mais de sete números musicais com coreografias distintas umas das outras.


Com todos os contratempos, entretanto, "Hairspray" foi um sucesso de público, e é sempre bom poder prestigiar novos artistas que estão surgindo em uma fase muito complicada da adolescência - a corrida do vestibular, que assombra tantos estudantes. Além disso, Thião Mesquita sempre produz peças teatrais bem coloridas e alegres, o que é sempre um alívio para os olhos e para a mente, diante de tantas tragédias a que somos submetidos diariamente. Sem dúvida, depois de reparados tais erros citados ao longo do presente texto, "Hairspray" é uma peça para se reassistir - nem que seja só para cantar as músicas.

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