sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Ensaio aberto da peça teatral "Infelizes Para Sempre" - Apresentação de 21/11/2014

É bem peculiar as oportunidades que a universidade proporciona a seus alunos - ainda que algumas coisas, principalmente as festas, apareceram como outdoors iluminados em neon pelos corredores do Instituto Central de Ciências (ICC) da Universidade de Brasília (UnB), mas outras são tão sub-promovidas que acabam por não se tornarem conhecidas nem de terem estrutura suficiente para serem bem-sucedidas. Hoje, no Instituto de Artes (IdA) da UnB, tive a oportunidade de assistir, enfim, à peça "Infelizes Para Sempre", com direção da minha grande amiga Anna Salles, e com um elenco impecável, formado por Arthur Romão, Louise Portela, Tainá Ivo, Marina Olivier, Yasmin Barroso e Yuri Fidelis, que tentei assistir no último Cometa Cenas - festival de peças de teatro promovido pelo Departamento de Artes Cênicas - mas não consegui entrar por conta da pequenez da sala, com capacidade para, no máximo, 30 pessoas. Mais sobre este problema infraestrutural, mais à frente.


"Infelizes Para Sempre" conta a história dos contos de fadas - depois que a história acaba, e o livro é fechado. Enquanto os protagonistas acabam sempre bem, ao lado de seus amados, os vilões são execrados e sempre têm um fim deplorável. É partindo dessa premissa que Malévola chama seus colegas vilões para uma partida de pôquer. A peça começa com os vilões em cena, contando sobre seus contos, em uma profusão de sons e vozes dissonantes que falam juntas. Em seguida, Mordomo entra em cena e nos conta o porquê da nossa presença ali - iríamos descobrir o que se passa a cada vez que um vilão é detonado ao final do conto, e como é frustrante para eles nunca obterem êxito em seus planos.

Fonte: Facebook "Infelizes Para Sempre"

Malévola, interpretada brilhantemente por Yasmin Barroso, chamou todos seus colegas vilões da Disney, tais como Hades, Jafar, Capitão Gancho, Cruella Cruel, Úrsula, entre outros, mas nenhum deles confirma presença no evento da vilã de "A Bela Adormecida" promove no Facebook. Sim, a peça contém várias referências ao mundo pop e às redes sociais do momento, o que apenas dá um aspecto mais atual à crítica pretendida pelo texto. Entretanto, alguns vilões acabam aparecendo para jogarem uma partida de pôquer com Malévola. São eles: Capitão Gancho (numa interpretação fenomenal de Arthur Romão, um amigo que conheci por meio da Anna Salles, e que se provou um ator de talento acima da média), Úrsula (interpretada pela hilária Tainá Ivo, que fez uma vilã escrachada e bêbada, e que não tem papas na língua), e Cruella (interpretada pela incrível Louise Portela, que tem uma gargalhada digna de vilãs icônicas, e que é extremamente talentosa, sendo um outro grande destaque da apresentação). Em cena, temos também Mordomo (interpretado por Yuri Fidelis, que faz um ótimo trabalho como o fio condutor da narrativa).

Fonte: Facebook "Infelizes Para Sempre"

Há uma outra vilã que aparece no início da peça, à procura do seu espelho mágico, que lhe fora roubado: a Rainha Má de "A Branca de Neve" (interpretada por Marina Olivier, em um papel misterioso porém fundamental para entender a mensagem da história). A Rainha Má, furiosa com o sumiço de seu objeto precioso, jura vingança a quem lhe tirou o que é seu, e assume o corpo do Capitão Gancho, um vilão acima de qualquer suspeita. Durante o jogo de pôquer, todos estão entediados e deprimidos com o destino irreversível que lhes faz passar todos os dias pelas mesmas histórias e terem seus planos sempre frustrados. Depois de sérias discussões envolvendo os preconceitos mais latentes na sociedade "humana", Cruella nos resume o que toda aquela festa tentava esconder de alguma forma: o ser humano é podre, e não há esperanças de que ele vá melhorar.

Fonte: Facebook "Infelizes Para Sempre"

Com um final surpreendente e de violência gráfica porém não gratuita, "Infelizes Para Sempre" é mais do que uma readaptação dos contos clássicos e dos filmes da Disney: é uma reflexão filosófica sobre a podridão da sociedade em que vivemos, denotando uma profunda ferida na autoridade com que muitos vociferam sua moral e seus bons costumes. Os defensores destas bandeiras, em sua grande maioria, são aqueles que serão os primeiros a atirar pedras naqueles que saírem um pouco da estrada de tijolos amarelos. Sem dúvida, é um espetáculo bem produzido e bem dirigido, e Anna Salles, junto de seu elenco e da equipe técnica, fizeram um trabalho sensacional e inquestionavelmente onírico.

Fonte: Facebook "Infelizes Para Sempre"

A minha principal crítica não se refere, contudo, ao espetáculo em si, mas ao local de realização deste. Um pouco antes do início do espetáculo, o prédio do IdA foi surpreendido por uma forte chuva torrencial, que começou a entrar pelo prédio (quase todo feito em vidro) e acabou por provocar uma queda de energia. Previsto para começar às 19h, a peça começou às 20h, e o espetáculo, que tinha uma iluminação assinada por Ana Luisa Quintas, teve que ocorrer com iluminação feita por velas, lâmpadas LED e lanternas de smartphones. Apesar de tal iluminação ter dado um charme retrô ao espetáculo, não era algo esperado, e a culpa de tal incidente é da administração da Universidade de Brasília, que não investe na manutenção de seus edifícios e permite situações como esta - a fiação do IdA é bem velha e já está bem prejudicada, em termos de preservação e manutenção. Como eu disse anteriormente, a falta de interesse da grande maioria dos alunos universitários em assistir espetáculos oferecidos gratuitamente pela própria universidade tem, como consequência, o desinteresse da administração em preservar sua história.

Fonte: Facebook "Infelizes Para Sempre"

Esta foi minha primeira vez em um ensaio aberto - nunca fiz ensaios abertos nas peças das quais participei como ator, nem assisti nada similar anteriormente - e foi muito interessante ver o funcionamento dos bastidores e ver a união do elenco e da equipe técnica para que o espetáculo seja o mais belo possível. Anna Salles, Arthur Romão e companhia estão de parabéns pela peça maravilhosa, e pela persistência admirável em apresentar, mesmo sob as condições precárias às quais a Universidade (e alguma fatalidade do destino) , um espetáculo tão intenso e tão memorável quanto este. Sim, "Infelizes Para Sempre" é uma peça para se assistir várias e várias vezes.

Fonte: Facebook "Infelizes Para Sempre"

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